sábado, setembro 24, 2005

a trama dos deuses

Não sei quantas vezes já te disse isto.

Dou por mim a duvidar se as palavras querem realmente dizer seja o que for, porque por mais que te fale não me ouves.

Acabei de saber de ti. Encontraram-te vagabundo a deambular pela noite sem mim. Trazias nos olhos uma sede que não me souberam explicar, trazias contigo uma data doutras almas que também vagueiam não se sabe bem porquê, e trazias as mãos vazias, os lábios fechados.

Caímos na mesma trama dos deuses, sei-o bem.
Achava que um dia eu seria capaz de me convencer que vivo bem sem o teu cheiro, começava a ponderar a tua pele na minha pele, já conseguia distinguir os meus braços dos teus abraços.
Mas nunca, nunca supus sequer que te esqueceria.

Já respirava sem ti, meu amor … andava a aprender a dançar com os meus pés e a cair o corpo no chão que eu escolhesse.
Já só chorava por ti uma ou duas vezes por segundo do tempo que um dia decidimos parar. Já cantava desafinada, já sabia rir dos meus atropelos, dos meus atabalhoados ensaios de valsas infinitas.

Já sabia dormir sem confundir o sonho com a insónia. Sonhava contigo em paz, amava-te em paz, longe de ti já sabia que não te tinha, mesmo sabendo que sempre foste meu.



Mas atirámo-nos na trama dos deuses, outra vez.
Enforquei todas as minhas pequenas vitórias de solidão numa teia enfeitada pelos teus suspiros.
Tive-te nos braços outra vez, senti-te a respirar nos meus ouvidos, as tuas mãos espalhadas pelos meus medos.
Apagas-te as memórias quase tornadas passadas, fizeste dos meus triunfos uma nova derrota – tive-te nos braços outra vez, a primeira vez em que senti que podia ser a última.

Não sei quantas vezes já te disse que te amo.
Não sei quantas vezes falei contigo com arrepios, com meias frases aguçadas, meios corpos aprisionados.

No meio do mundo, esqueci-te lá atrás e vi-te olhos nos olhos outra vez. Continuas perfeito, incompleto, enfeitado por um deserto onde não me deixaste entrar. Continuas a saber onde moram os meus sussurros, onde se põe o sol e nasce a lua – onde eu sou da parte do céu que é tua.

Não sei se te matei ali, no meio duma estrada perdida perto de mim.
Não sei se me matei ali, quando acabei com a minha voz sozinha.

Acabei por voltar a casa. Abri a porta, deixei-a fechar. Pelo quarto ainda encontro sinais de ti – encontro a música que me ofereceste e ponho a tocar.

Não sei quantas vezes já te disse, ou se alguma vez falei de mais –
hoje, meu amor, vou abraçar-me mais do que nunca, e adormecer agarrada ao cheiro do teu corpo nos meus beijos.

E hoje não volto a acordar –
antes ter-te cravado ao suicídio mais doce que ter-te perdido num passado que fiz por esquecer.

*Mó
18.09.05

sábado, setembro 17, 2005

Sopraram de longe.
E estávamos perto demais para não estarmos sozinhos...os dois.
É que, meu amor, "eras tu, em todas as praças, em todas as cidades".

Onde é que ficámos mesmo?



Still a little bit of your taste in my mouth
Still a little bit of you laced with my doubt
Still a little harder to say what's going on

Still a little bit of your ghost, your witness
Still a little bit of your face I haven't kissed
You step a little closer each day
That I can’t say what's going on

Stones taught me to fly
Love, taught me to lie
Life taught me to die
So it's not hard to fall
When you float like a cannonball

Still a little bit of your song in my ear
Still a little bit of your words I long to hear
You step a little closer to me
So close that I can't see what's going on

Stones taught me to fly
Love, taught me to lie
Life taught me to die
So it's not hard to fall
When you float like a cannon..
Stones taught me to fly
Love, taught me to cry
So come on courage
Teach me to be shy
'Cause it's not hard to fall
And I don't wanna scare her
It's not hard to fall
And I don't wanna lose
It's not hard to grow
When you know that you just don't know


(Damien Rice - cannonball)

quarta-feira, setembro 14, 2005

Muda de sítio.
Apanha boleia de alguém que passe por ti.
Quem não passe por aqui.

E muda de sítio.
Inverte.
Converte a troca na tua escolha.

Dobra a folha
e escreve no verso
um verso...
disperso.


Mas risca.
Arrisca.
Torçe a passada.
Apanha boleia errada.

Engana a morada
de livre arbítrio.

Troca de volta.
...Volta.

Mas muda de sítio.


14.09.05
*Mó



foto: Jan Falkenberg

sexta-feira, setembro 02, 2005

Metáforas de tudo o que são.

Sempre quis ter uma roseira. Daquelas que dão rosas todas as primaveras em flor.
Não queria saber de plantas em vasos, de ramos com arranjos e bilhetes de amor.

Só queria uma roseira.

Cheguei a escrever num diário que sonhava com o dia em que chegavas e me oferecias uma semente pequenina que eu plantava no cantinho mais bonito do jardim. Deixei o diário aberto, na esperança que lesses.

Sempre quis poder escolher a rosa mais bonita e penteá-la de manhã. Depois, escolher a rosa mais pequena e beijá-la antes de dormir, pedir-lhe que crescesse um dia.
Quis oferecer-te um espinho e uma pétala dentro dum envelope sem remetente.

Só com a tua voz no destinatário.

Queria uma roseira num cantinho do jardim. Sozinha, vaidosa, encantadora.
Só queria que fosse minha.


Um dia recebi um envelope.
Sem destinatário, com o teu nome no remetente.

"É a semente duma flor. E um beijo."
Plantei no cantinho do jardim.

Nunca nasceu.
Como esse beijo que nunca chegou.


Mas eu nunca quis um beijo.
Só quis uma roseira. Sozinha, vaidosa, encantadora... que fosse só minha.

Sempre quis ter uma roseira. Daquelas que dão rosas todas as primaveras em flor.
Disseram-me que os sonhos são botões de flor com um perfume que não morre. Botões de rosas.
Por isso é que eu
nunca quis um beijo.
Só quis uma roseira. Sozinha, vaidosa, encantadora...


01.09.05
*Mó

(foto de Joyce Tenesson)